Flash M.L. - Anticomunismo em Portugal
No final de Março do ano passado, a comunicação social portuguesa foi varrida por uma onda anticomunista que se transformou num tsunami no decurso do mês de Abril.
A questão era saber se os comunistas comem crianças - de preferência as suas próprias crianças.
É preciso voltar à resolução do Parlamento Europeu de 2019, onde o comunismo é equiparado ao fascismo. Esta resolução da UE foi utilizada pela vice-presidente do Partido Popular Monárquico (PPM), Aline Gallasch-Hall de Beuvink, como uma oportunidade para elaborar um discurso de forma a lamentar uma alegada fome na Ucrânia durante a era de Estaline, em 1932/33: milhões de mortos - tinha havido canibalismo. Os comunistas tinham comido crianças.
Há que saber isto: A mulher provém de uma família russa, anteriormente distinta, que deixou a União Soviética na década de 1930 e desde então tem vindo a elucidar o mundo sobre o quão cruel é o socialismo.
Este é o anticomunismo agressivamente reaccionário. Ele existe desde que os imperialistas Aliados quiseram inverter a Grande Revolução Socialista de Outubro de 1917 e intervieram militarmente no país, iniciando uma guerra civil. Isto terminou em 1921 com a vitória do poder soviético mas, a economia nacional fora devastada pela guerra. Uma grande fome foi uma das consequências, que custou a vida a muitas pessoas. Mesmo assim, a propaganda imperialista espalhou a mentira de que tudo era uma consequência da revolução.
Por exemplo, um professor H. Halm afirmou numa palestra que "cenas indescritíveis de devorar homens" tinham tido lugar no ano da fome de 1921. O próprio Halm apenas tinha visto refugiados famintos no seu local de residência Irkutsk - oito mil quilómetros mais a leste das zonas de fome. No entanto, chama à sua palestra o "relatório de uma testemunha ocular", querendo assim dar mais credibilidade às suas afirmações com esta manipulação.
Esta palestra foi proferida em Berlim em 1932. Nessa altura, a revolução das massas na Alemanha estava muito avançada. Portanto, para manter o seu poder, os monopólios alemães estabeleceram a ditadura fascista de Hitler em 1933. Para este fim utilizaram uma demagogia social-fascista. Enganosamente, chamavam-se a si próprios nacional-socialistas. Mas o socialismo é internacional! Ao mesmo tempo, aperceberam-se de um anticomunismo agressivo, destinado a incitar a classe trabalhadora alemã contra o socialismo e a prepará-la para a guerra contra a União Soviética. Isto é claramente demonstrado pela imagem da capa da brochura nazi "Porquê a guerra com Estaline? Um russo sanguinário com uma adaga na mão corre em direcção ao leitor, caveiras no chão, no fundo uma forca com vítimas do alegado terror bolchevique. O povo alemão tinha de ser protegido contra isto.
Este anticomunismo abertamente reaccionário continuou durante algum tempo no Ocidente, após a Segunda Guerra Mundial. No entanto finalmente perdeu o seu efeito, também porque a União Soviética se tornou revisionista nos anos 50, traiu o socialismo e entrou em cena como um novo concorrente imperialista.
Os governantes mudaram então para um novo e moderno anticomunismo. Este simula um ponto de vista crítico em relação à sociedade capitalista a fim de, ao mesmo tempo, denegrir o socialismo. Interliga o termo "ideologia" com fraude, engano, lavagem ao cérebro, etc., lançando assim dúvidas sobre a ideologia do socialismo científico. Alegadamente, a única atitude razoável é uma chamada "liberdade de ideologia".
Isto é, evidentemente, um disparate e, por si só, uma fraude. Pois na sociedade de classes, a burguesia dominante também tem a sua ideologia burguesa. Assim, os trabalhadores não devem reconhecer o carácter de classe da ideologia burguesa, mas devem considerá-la e aceitá-la como algo natural e, consequentemente, como geralmente humana. O facto de o socialismo científico ser a ideologia da liberdade da classe trabalhadora deve ser escondido dos trabalhadores, para que estes não fiquem com ideias revolucionárias.
Uma das principais formas da ideologia burguesa é a religião. Em Portugal, quando as massas estavam em agitação, após a queda do regime de Caetano, a Igreja Católica publicou uma tradução de um panfleto escrito em italiano contra o comunismo, a 1.12.1975.
Diz na pág.3:
"O comunismo... procura de instaurar neste mundo o reino de Satanás, implantando um Estado ímpio e revolucionário".
Isto é exposto na pág.15:
"Segundo o comunismo os proletários devem mover guerra mortal às outras classes sociais e instaurar a ditadura do proletariado, que, mediante a violência, destrua a Igreja, o clero, os nobres, os ricos, os proprietários, os que se distinguem pela inteligência, os homens independentes e crentes, e assim, tudo quanto é obstáculo à revolução...
Esta oposição entre os proletários e os outros cidadãos chama-se "luta de classes"..."
e depois na pág.28:
"Deus quer que entre os homens haja desigualdades, que as famílias existam em classes distintas, umas mais elevadas que as outras..."
E por aí adiante e assim por diante. Mas isto não impede o Papa Francisco de apelar à "liberdade de ideologia" nos seus discursos, como o fez durante recentes viagens ao exterior para Budapeste e Eslováquia.
A própria burguesia, claro, não fala do "reino de Satanás". Em vez disso, utiliza termos demagógicos de luta como "estalinismo" e "maoísmo". Ao mesmo tempo, é negada a restauração do capitalismo nos antigos países socialistas. Contudo, certos desenvolvimentos negativos na antiga União Soviética e na China são precisamente a expressão e as consequências das tendências capitalistas, da traição ao socialismo e não da construção socialista. Mas, com os meios de falsificação da história e utilizando as tais chamadas testemunhas oculares, ou "vítimas da Revolução Cultural", está a ser organizada uma calúnia abrangente dos sucessos na construção do socialismo nos antigos países socialistas.
Os principais portadores deste anticomunismo moderno são geralmente carreiristas de "esquerda", que são sistematicamente promovidos pelo capital monopolista como testemunhas fundamentais do alegado fracasso do socialismo e revalorizados para a participação governamental. Em Portugal, o caso mais conhecido é o de Durão Barroso, antigo PCTP-MRPP, que chegou à presidência da UE e a concelheiro e presidente não executivo do banco Goldman Sachs. Outros, como o esquerdista Fernando Rosas ou o trotskista Francisco Louçã (BE) têm as suas aparições regulares nos meios de comunicação social. Até Arnaldo Matos (PCTP-MRPP) chegou a declarar no Expresso em 16/12/2018:
"Sei o que era um partido leninista, e sei ao que levou. Sei o que era um partido maoísta, e ao que ele conduziu. Esses partidos não servem. É preciso criar outros".
O PCTP-MRPP abandona o Leninismo e nega o carácter socialista da Revolução de Outubro.
O Capital diz, obrigado!
Recentemente, os bolorentos ataques oportunistas de Francisco Martins Rodrigues contra Dimitrov, o 7º Congresso Mundial do Comintern e a política da Frente Única Antifascista estão a ser novamente desenterrados e sistematicamente infiltrados nas discussões da cena de esquerda através de vários canais. Isto é feito exactamente na situação em que está a ocorrer um desenvolvimento geral dos governos para a direita, tendo sido já formados governos protofascistas e fascistas e a tarefa que enfrentam as massas por todo o mundo em criar uma Frente Única Anti-imperialista e Antifascista Internacional. Estas teorias têm o objectivo de criar confusão e incerteza, especialmente entre os jovens que procuram uma perspectiva e estão a entrar em contacto com o Marxismo-Leninismo, dado o facto de que o anterior anticomunismo abertamente reaccionário estar a perder cada vez mais o seu efeito.
A este respeito, é interessante ver a forma como a questão de "comer crianças", acima referida, foi novamente levantada no ano passado. Na televisão, Francisco Louçã do BE tem o seu trabalho regular como perito político. É professor universitário e líder abertamente trotskista da política parlamentar. É também conselheiro oficial do Estado e do Banco de Portugal.
Este trotskista retomou também a questão de "comer crianças" na televisão: Esse havia sido o ridículo anticomunismo de Beuvink. Mas a fome, dizia ele, era devida ao estalinismo.
Então é assim que funciona o anticomunismo moderno.
Mas, ao mesmo tempo, uma tempestade de anticomunismo abertamente reaccionário eclodiu na imprensa. Dezenas de artigos: O comunista Louçã estava a gozar com as vítimas, a gozar com milhões de mortos...
Os números variam entre dois e doze milhões - dependendo da orientação do jornal. Isto fora genocídio, deliberadamente organizado por Estaline para se manter no poder. É errado para Louçã falar de crimes sob o comunismo - o comunismo é e si o crime. Outros, sob o pretexto de sátira, apelidam o revisionista PCP de Partido Canibal.
Assim podemos ver que: para além da variante do anticomunismo moderno dominante, o anticomunismo abertamente reaccionário, que foi retido durante algum tempo, está também a ser reanimado. O partido fascista CHEGA está actualmente a evoluir para o principal emissário desta direcção. No seu programa, tudo o que no espectro social, desde o militar à cultura, não esteja na sua linha fascista é rotulado de forma arrebatadora como uma expressão do "Marxismo". De maneira racista, as diferenças na condição social das pessoas são atribuídas a diferentes composições genéticas.
Entretanto, decorrem recorrentes discussões no PSD sobre possíveis coligações com o CHEGA. No Seixal, durante a campanha eleitoral para as Autárquicas, o próprio PSD publicou uma série de cartazes com motivos anticomunistas reaccionários como "Isto Stalindo está! É hora dos democratas darem um bigode aos comunistas" ou "Depois de 45 anos a comer arroz. Vais votar nos mesmo de sempre? Mao, Mao, Maria", etc.
Este ataque foi dirigido contra o PCP, que é em si mesmo um bastião do anticomunismo e, portanto, não sabe como responder.
Com o número de eleitores do PSD a diminuir, esta é uma tentativa de sair da defensiva. E o aparecimento do CHEGA é também uma expressão do facto de que o engano reformista do PS no poder estar a perder cada vez mais o efeito, o PCP revisionista está também a perder a sua capacidade de ligação à classe trabalhadora. O BE, liderado por Trotskistas, também não é diferente.
Esta nova edição do anticomunismo abertamente reaccionário mostra que o anticomunismo moderno também está em crise.
No entanto, o anticomunismo moderno é, neste momento, o predominante em Portugal. A sua forma relativamente mais eficaz é o anticomunismo racional e funciona desta forma:
"Comer crianças "é, evidentemente, a pior propaganda. Um mito conhecido há muito tempo que seria aqui retomado e utilizado como base de preconceito. Mas, como com qualquer mito, há sempre um fundo real... Depois, os autores dos artigos dão exemplos desde a antiguidade até aos dias de hoje e de todo o tipo de outras culturas.
O cepticismo do leitor é abordado e, ao mesmo tempo, reforçado. E depois dizem literalmente: Parece que, o partido comunista na Ucrânia tinha cartazes de aviso colocados com o slogan: COMER OS SEUS PRÓPRIOS FILHOS É UM ACTO DE BARBÁRIE!
Parece que!!!! Pode ser que...talvez...
Isto é cepticismo na sua forma mais pura. É assim que se cria a insegurança e assim se promove o modo de pensar pequeno-burguês e se afasta o modo de pensar proletário.
O uso do anticomunismo é uma reacção do capital monopolista ao crescente descontentamento das massas perante as crescentes crises. Mas, neste processo, o próprio anticomunismo também entrou em crise porque, segundo a avaliação do MLPD, "o movimento internacional Marxista-Leninista e dos trabalhadores ultrapassou sem dúvida o seu ponto baixo, após a traição revisionista do socialismo" (RW 36, p.19). Esta avaliação mostra-nos uma boa perspectiva para a nossa luta futura.